01/10/2017
Precisamos qualificar os pré-natais dos municípios
Entrevista do Dr. Tadeu Stringari ao jornalista Carlos Alberto Ferrugem.
AZAZ 21 entrevista o médico, ex-professor de medicina da PUC/RS, ex-secretário de Saúde de Portão, Ex-diretor da área de obstetrícia e ginecologia e ex-chefe do serviço de obstetrícia do Hospital Universitário da PUC/RS e Diretor Técnico Administrativo do Hospital São Francisco de Assis, de Parobé, Dr. Tadeu Stringari.
AZAZ 21: O Secretário Estadual de Saúde, João Gabbardo dos Reis, na presença do Presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul – COSEMS/RS, Diogo Espindola, e do Secretário de Saúde de Porto Alegre, Erno Harzheim; assinou a Resolução aprovada na reunião da Comissão Intergestores Bipartite – CIB, realizada no dia 12 de maio de 2017, com a proposta de regionalização do parto e do nascimento no Estado.
Qual a opinião do senhor sobre esta proposta?
Dr. Tadeu Stringari – Primeiramente quero agradecer esse honroso convite para essa entrevista sobre um tema tão apaixonante e atual. Esse posicionamento do dr. Gabbardo tem vários méritos. Já estou há dez anos trabalhando no interior do Estado, principalmente na Região do Vale do Paranhana, onde existem oito hospitais, todos querendo realizar partos, mas todos realizando sem atenção qualificada ao nascimento, devido a um único problema que é de custos. As maternidades às vezes não tem pediatra; quando tem, na sua maioria, são clínicos fazendo neonatologia. Portanto, sem qualificação técnica para qualquer intercorrência neonatal. Muitas vezes não há anestesistas e se consegue fechar as escalas de plantões. Ou pior: fazendo o plantão de obstetrícia de sobreaviso. Nesta região, desde 2016, quando fundada a Rede CUIDAR - Associação dos Diretores dos Hospitais do Vale do Paranhana (menos da cidade de Taquara), com a brilhante ajuda, apoio e compreensão dos prefeitos e dos secretários municipais de Saúde, as sete cidades começaram a aceitar e encaminhar os seus pacientes de obstetrícia para o Hospital São Francisco de Assis, de Parobé, o qual tinha 40 nascimentos por mês em dezembro de 2013, com quase 90% de cesarianas e passou, em 2017, para uma média de 110 nascimentos por mês, com 60% de partos normais. Tal ação deu segurança e qualificação ao atendimento ao parto, sem nenhum óbito materno/fetal desde então. Conseguimos viabilizar um plantão com obstetra presencial, pediatras (na sua maioria com residência médica em pediatria e até em neonatologia), bem como anestesista presencial das 7h às 19h e de sobreaviso das 19h às 7h. Com isso conseguimos mudar a história dos sete municípios do Vale do Paranhana. nos tornando uma referência na região, recebendo, inclusive, encaminhamentos de algumas cidades limítrofes como Novo Hamburgo, Araricá, Nova Hartz e Campo Bom. Isso é a maior prova da importância da ação que o sr. Secretário de Saúde do Estado pretende e pode realizar no Estado.
AZAZ 21: O objetivo é qualificar a atenção à saúde da gestante e do recém-nascido e, com isso, reduzir a mortalidade materno-infantil e sequelas que possam afetar a saúde da criança.
Pela experiência do senhor é possível alcançar estas metas?
Dr. Tadeu – Sim é possível. Mas para isso precisamos qualificar os pré-natais dos municípios, fazendo que tenham a mesma rotina e protocolos. Muitas vezes esse aumento qualitativo não é alcançado devido à má qualidade do pré-natal. Não se justifica, nesta região, não termos um pré-natal único, qualificado e com mesma filosofia, com uma equipe multidisciplinar e com acesso ágil a exames complementares e qualificação tecnológica. Ainda temos prefeituras com dificuldade de fornecer pelo menos uma ecografia com doze semanas de gestação e outra entre 20 a 24 semanas (morfológica), sem falar em todos os exames de laboratório proconizados na rotina do Ministério da Saúde.
AZAZ 21: Quais seriam as sugestões do senhor para o Estado atingir as metas propostas pela Secretaria Estadual de Saúde?
Dr. Tadeu – Resumindo didaticamente: essas metas são, sim, plausíveis de serem realizadas. Colocar recursos numa maternidade de referência que tenha, obrigatoriamente, obstetras 24h de plantão presencial, pediatras com residência médica em pediatria, também presencial 24h e anestesistas de sobreaviso 24h, que tenha uma enfermeira materno-infantil e um quadro de técnicas de enfermagem voltadas somente para assistência ao pré-parto e parto, com o devido suporte tecnológico, como monitores fetais e ecografia, permanentemente. Isso tudo com um pré-natal centralizado, com uma integração do município com o hospital para fazer com que as rotinas e protocolos sejam seguidas e discutidas, além de as Secretarias de Saúde dos municípios terem participação no projeto, dando qualificação técnica aos seus funcionários que fossem trabalhar no pré-natal, bem como investir no mínimo nos exames necessários para o pré-natal, na forma que determina o Ministério da Saúde.
AZAZ 21: O Secretário Gabbardo informou que de 2004 a 2016, 72 municípios gaúchos deixaram de realizar partos em hospitais locais. Com isso, os óbitos infantis caíram de 116 para 35, o que representa uma redução do coeficiente de mortalidade infantil de 21,4 óbitos para 11,2 óbitos para cada 1.000 nascidos vivos. Segundo dados da SES, anualmente, são realizados 140 mil partos no Rio Grande do Sul. Desses, sete mil ocorrem em hospitais de pequeno porte, 50% deles realizados por convênio. Com isso, a expectativa é de que cerca de 3,5 mil partos do Sistema Único de Saúde – SUS sejam transferidos para instituições regionais, o que equivale a nove partos por dia. Evidências científicas comprovam que a concentração de ações em serviços que realizam maior quantitativo de procedimentos, promove a qualificação da atenção, a melhoria dos indicadores de saúde e a redução dos custos assistenciais.
Baseado no conhecimento científico e na experiência, o que o senhor poderia comentar sobre estas afirmativas?
Dr. Tadeu – Essas estatísticas já comprovadas estão bem claras, mostrando que isso é possível e essa é a única forma de chegarmos a essas metas. Podemos chamar isso de gerência administrativa, onde os recursos são alocados para se ter sucesso nos projetos. Esse é o único caminho que os orgãos competentes tem que buscar: a total integração do pré-natal do municipio com o hospital, sob a coordenação da Secretaria da Saúde do Estado e do Ministerio da Saúde. Todos unidos por um único objetivo: prestar um atendimento quelificado e humanizado para as nossas gestantes.
AZAZ 21: Com a regionalização, a rede de atenção ao parto e nascimento deverá estar presente em cerca de 96 municípios e 120 hospitais no Estado do Rio Grande do Sul.
O Hospital São Francisco de Assis, de Parobé, está preparado e estruturado para atender a regionalização do parto e do nascimento da Região de Saúde 06 Vale do Paranhana e Encosta Serra?
Dr. Tadeu – Neste momento, o Hospital São Francisco de Assis já está realizando os partos das cidades de Parobé, Riozinho, Rolante, Araricá, Igrejinha e Três Coroas, além de atender muitas pacientes de Taquara, Cambará do Sul, São Francisco de Paula, Novo Hamburgo, Nova Hartz e outros municípios. Já estamos aptos para essa nova demanda, pois, estamos preparados em todos os quesitos necessários para um atendimento qualificado. Temos, além de equipe de apoio, todos os equipamentos tecnológicos e laboratorias para uma assistencia qualificada e segura. No caso de ampliarmos a região atendida precisaremos fazer ajustes nas equipes médicas buscando mais um obstetra, pediatra e funcionários de apoio, mas, sim a nossa maternidade está apta para ser referência.
AZAZ 21: Dr. Tadeu, qual é a média mensal de nascimentos hoje no Hospital?
Dr. Tadeu – Passamos de 42 nascimentos no mês de dezembro de 2013 para uma média de 110 nascimentos atualmente, com previsão de 1.500 partos para 2017.
AZAZ 21: O Hospital São Francisco de Assis está preparado para ampliar a sua capacidade de atender as gestantes pelo Sistema Único de Saúde?
Dr. Tadeu – Sim, desde que haja uma contrapartida dos governos para realizarmos mais contratações de profissionais.
AZAZ 21: Dr. Tadeu Stringari, baseado na experiência de mais de quatro décadas de medicina, quais as sugestões que o senhor teria para melhorar o sistema de saúde na Região e no Estado, principalmente pelo SUS?
Dr. Tadeu Stringari – Essa é uma questão muito complexa, pois envolve várias ações que deverão serem feitas. Resumindo, quando contratarmos profissionais da área médica, eles devem ser preparados para saber o que é atendimento de Saúde Pública, devem ser comprometidos, entender a realidade da saúde pública brasileira, estar e ficar perto da paciente. Temos que qualificar o acolhimento e humanizar o atendimento, mas para tal também temos que dar condições nos locais de trabalho como consultórios e instalações qualificadas. Eu não falo de luxo, mas condições dignas, local arejado e limpo. Não podemos jogar os profissionais em qualquer lugar. Isso vale para a população também, que não merece cadeiras quebradas, banheiros sujos etc. Precisamos de técnicos e enfermeiros treinados e qualificados, não jogados no local de trabalho totalmente desqualificados e despreparados, em sua maioria. A remuneração médica deve ser compatível com a atuação, motivadora e permanente. Não pode haver ingerência política na atuação do profissional médico, como 'se o prefeito não gostou do obstetra que não fez cesárea a seu pedido, colocou para rua' e outros vários exemplos, fatos esses que eu mesmo já passei. Precisamos também de aporte aos exames e as tecnologias com protocolos e de fácil acesso. E para mim um assunto muito importante é a contratação de gestores da saúde no município com alguma qualificação mínima na área da Saúde. Encontramos, na maioria das vezes, gestores com total desqualificação para o cargo. Entendemos que o comando possa ser político, mas, no operacional não pode ser. Encontrei, nestes 40 anos, chefias nos postos de saúde sem preparo acadêmico, científico, ético e cultural, por isso, a questão é extremamente longa e complexa. Para concluir a, parceria da Secretaria da Saúde Municipal neste projeto é fundamental, dando liberdade para que ele possa acontecer sem assistencialismo político. O somatório de tudo isso nos levará ao sucesso na assistência ao parto.
Carlos Alberto Eggler Ferrugem - Jornalista e Diretor da AZAZ 21
Fonte: Renata H. G. Eidelwein/Relações Públicas